Nos últimos anos, o cenário político brasileiro tem testemunhado uma mudança significativa na linguagem adotada pelos líderes e figuras públicas. Cada vez mais, vemos o uso da retórica religiosa como uma ferramenta poderosa para influenciar e mobilizar as massas. A ex-primeira-dama do Brasil, Michele Bolsonaro, em um de seus discursos, encapsulou essa tendência ao proclamar: “A palavra de Deus é vida e ela se renova a cada manhã. Ah, como os nossos inimigos têm medo dessas palavras. Algo sobrenatural vai acontecer”.
Essa mudança não é apenas superficial; ela reflete uma estratégia deliberada de enraizamento político em um contexto onde a desigualdade socioeconômica e a falta de acesso a direitos básicos são realidades persistentes. O discurso político, que historicamente se apoiava em argumentos baseados em direitos e justiça social, agora se volta para a linguagem religiosa como uma forma de conectar-se com as classes populares. Essa mudança não é apenas uma questão de estilo; é uma adaptação profunda à realidade sociocultural do Brasil contemporâneo.
Um dos principais impulsionadores dessa mudança é a percepção de que a linguagem tradicionalmente empregada pela esquerda política brasileira, centrada em direitos e igualdade, não ressoa efetivamente com uma parcela significativa da população. As classes populares, frequentemente marginalizadas e privadas de direitos básicos, encontram na linguagem religiosa uma fonte de esperança e identificação. A fé, a esperança e a crença em algo transcendental oferecem um conforto e uma sensação de pertencimento que muitas vezes estão ausentes das discussões políticas convencionais.
Essa estratégia não é exclusiva do Brasil; vemos exemplos semelhantes em outras partes do mundo, onde líderes políticos exploram a religião como um meio de consolidar e ampliar seu apoio popular. No entanto, no contexto brasileiro, essa tendência é especialmente pronunciada devido à profunda religiosidade que permeia a sociedade. O Brasil é uma nação onde a fé desempenha um papel central na vida cotidiana de muitos, e isso se reflete no discurso político.
É importante reconhecer que essa mudança na linguagem política não ocorre em um vácuo. Ela está intrinsecamente ligada a dinâmicas sociais mais amplas, incluindo a polarização política e a ascensão do populismo. O uso da linguagem religiosa não apenas mobiliza eleitores, mas também polariza a sociedade, dividindo-a entre “nós” e “eles”, entre os crentes e os descrentes. Essa polarização, por sua vez, fortalece os laços dentro do grupo e cria uma base sólida de apoio para os líderes políticos que a adotam.
No entanto, é importante não subestimar a complexidade desse fenômeno. Embora a linguagem religiosa possa ser eficaz como ferramenta política, ela também levanta questões éticas e morais. O uso da religião para fins políticos levanta preocupações sobre a separação entre Estado e religião, além de potencialmente marginalizar aqueles que não compartilham das mesmas crenças. Além disso, há o risco de instrumentalização da fé, onde líderes políticos podem explorar a religião em benefício próprio, sem um compromisso genuíno com os valores e princípios que ela representa.
Em última análise, o uso da linguagem religiosa na política brasileira é um fenômeno multifacetado que reflete as complexidades e contradições de uma sociedade em transformação. Enquanto alguns o veem como uma estratégia legítima de engajamento popular, outros o criticam como uma manipulação oportunista da fé. Independentemente da perspectiva, é inegável que a interseção entre política e religião continuará a moldar o cenário político brasileiro por muitos anos. O desafio reside em encontrar um equilíbrio entre a liberdade de expressão religiosa e os princípios democráticos de pluralismo e inclusão.
Rodrigo da Matta é jornalista, radialista e especializado em Comunicação Governamental e Marketing Político pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília. Além de ser estudante das graduações em Ciências Políticas, Marketing e Publicidade.